Moçambique Fase III (Beira – Inchope)

 

Era feriado na Beira. Comemorava-se o dia da cidade. Para mim o dia festivo só me trazia vantagens, pois permitia-me circular à vontade nas habituais movimentadas ruas da cidade, o que facilitaria o meu acesso à estrada nacional que me levaria de volta ao Inchope.

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Pela frente tinha 136Kms até ao destino final da etapa. Uma etapa que eu considerava arriscada, não pela dificuldade do trajecto, mas sim devido às (im)previsíveis avarias que poderiam surgir na bicicleta. Razão pela qual levava comigo um Plano B, para o caso de surgirem surpresas desagradáveis ao longo do dia. O Plano B era muito simples e consistia no mais básico dos princípios, ou seja, “… se o dia estivesse a correr muito mal (principalmente devido a problemas com a bicicleta), eu poderia sempre optar por pernoitar em Nhamatanda, a povoação onde dormira dias e que ficava a uns 30Kms do Inchope.

O dia começava do meu agrado. Céu limpo, muita claridade, o vento não se fazia sentir (no entanto ainda era cedo para festejar) e a temperatura ambiente estava no ponto ideal para passar o dia a rodar os pedais.

Iniciei a etapa para o Inchope com 1 hora de atraso em relação à hora planeada. Todavia tal não era razão para grande alarme, pois calculara cerca de 7 horas para percorrer os 136Kms até ao final da etapa, devendo chegar ao Inchope por volta das 16h30.

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Tal como previra ao início da manhã, a saída da cidade da Beira fora pacífica, com muito pouco trânsito citadino devido ao feriado local.

O dia e a etapa corriam sobre rodas. As pernas estavam a corresponder bem acima da média e a bicicleta parecia estar a aguentar-se.

Pedalava exactamente pela mesma estrada que pedalara dias antes, aquando da minha ida para Beira. Agora em sentido contrário, era obrigado a regressar ao Inchope de modo a apanhar a Estrada Nacional Nº1 em direcção a Maputo.

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Aos poucos, a frescura da manhã foi evaporando-se no ar, dando lugar a temperaturas mais moderadas. Foi quando me apercebi que só trazia 2 litros de água de stock e que forçosamente seria obrigado a parar para comprar algumas garrafas de água.

DSCF8013Além do baixo stock de água, havia uma outra preocupação que me ocupava a mente:

Os motoristas de pesados. Estes, montados nos seus imponentes camiões, insistiam em rivalizar comigo o curto espaço disponível para a circulação de ambos.

 

 

Ao longo do trajecto, ia avistando vários pontos de venda de bebidas. Contudo as minhas pernas não me deixavam encostar para repor o stock de bebidas. Estas estavam a desempenhar uma das melhores médias de toda a viagem, pelo qual eu deveria deixar seguir o bom ritmo, até que as mesmas começassem a acusar algum cansaço (seguia acima de 24Km/h de velocidade média).

Na verdade, soprava uma ligeira brisa de traseira. Todavia eu preferia assumir que a boa prestação, devia-se simplesmente à benéfica performance das minhas pernas.

Contava com 30Kms percorridos, quando dei início a minha aproximação a Dondo. Povoação onde eu deveria parar para comprar bananas e água. Mas depressa o Dondo ficou para traz, tal era a vontade das minhas pernas prosseguirem viagem, obrigando-me a adiar a paragem para a próxima povoação – Tica.

Chegado a Tica, o episódio repetiu-se. Enquanto eu escolhia o lugar para parar, já a povoação havia ficado para traz devido à recusa das minhas pernas em cessar a marcha.

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Fosse como fosse e apesar de eu ainda não sentir fome nem sede, deveria pensar seriamente em repor energias e líquidos urgentemente, antes que eu entrasse em regime de fraqueza.

Aliada à boa prestação das minhas pernas, havia uma outra razão que me impedia de parar a marcha. Esta, de teor psicológico, baseava-se em dados estatísticos da minha viagem por terras Moçambicanas e que consistia no seguinte:

- Sempre que o dia estivesse a correr-me bem e eu parasse para usufruir de algum descanso, então cairiam sobre a bicicleta todo o tipo de problemas! Desde pneu furado inúmeras vezes, a vários raios partidos, a problemas com a corrente e carretos… alguma coisa haveria de acontecer… e caso não se passasse nenhum dos exemplos anteriores, então o vento rodaria 180º e eu teria que enfrentar um grande vendaval para conseguir progredir na etapa.

Seria apenas 80Kms e 3h23m depois, que obrigara a mim mesmo a encostar às boxes.

Os 2 litros de água há muito que haviam sido ingeridos e evaporados pelos poros da minha pele, e agora, além da garganta seca, trazia também o estômago vazio.

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Parei num pequeno estabelecimento junto à estrada, de paredes exteriores bem pintadas, mas com algumas carências em géneros alimentares.

Fui atendido pelo dono da loja, que prontamente se apresentou e começou a falar comigo. Entre muitas perguntas sobre “o que eu fazia ali”, ia informando-me do que havia de comestível para vender.

Simultaneamente, eu procurava nas prateleiras do estabelecimento algo que se parecesse com comida. Após alguns segundos a varrer com os olhos todos os cantos da humilde loja, optei por comprar 2 ovos cozidos e 3 bananas, aos quais juntei 2 garrafas de Coca-Cola. Estava o almoço tomado!

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Antes de me despedir e retomar a etapa, ainda tive tempo para ouvir o dono a dizer que me conhecia. Afirmava de pés juntos que me havia visto na televisão, um par de dias antes. Intrigado, perguntei-lhe onde, quando e a fazer o quê, pois não me lembrava de ter sido entrevistado ou filmado, pelo menos num passado recente.

A resposta foi simples e clara. Este, havia-me visto dias antes na RTP a subir ao pódio e a receber o prémio por ter ganho a Volta a Portugal em Bicicleta…

Após breves segundos de perplexidade, tentei explicar-lhe que nem todas as pessoas que andam de bicicleta, com um capacete e óculos escuros, são vencedores da Volta a Portugal… mas fosse como fosse, agradecia o elogio e o acolhimento.

Voltei à estrada para enfrentar os restantes 55Kms até ao Inchope. As pernas continuavam a debitar rotações e consequentemente eu seguia de sorriso no coração. Sorriso este, perturbado apenas pelos insensatos motoristas de pesados, que insistiam em passar tangentes a mim e à minha bicicleta.

Espantosamente, a bicicleta ainda não havia dado qualquer sinal de problemas. Ainda não tinha tido nenhum furo, nem a roda estava desalinhada. As rodas dentadas e a corrente também estavam de boas relações, ao ponto que atrevia-me a impor alguns “esticanços” para aproveitar a “boa maré”.

Subitamente ouvi um estalo metálico na roda traseira, seguido de vários estalidos contínuos, que iam diminuindo de frequência à medida que eu diminuía a velocidade da bicicleta. “Acabara-se a boa sorte” – pensei. E realmente, tudo indicava nesse sentido.

Tinha 2 raios partidos na roda traseira da minha bicicleta! Um deles, completamente embrulhado nos carretos e no cubo dificultando em muito a sua remoção.

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Depois uma breve inspecção à roda, concluí que esta mantinha-se espantosamente alinhada e centrada, o que permitia-me percorrer os quilómetros em falta até chegar ao Inchope. Afinal de contas ainda era cedo (14h30) e se tudo corresse bem, eu teria tempo mais que suficiente para reparar a bicicleta após a minha chegada ao destino.

Aproximadamente 1 hora depois, chegava à povoação chamada Inchope. Um cruzamento entre a estrada proveniente da Beira e que seguia em direcção ao Zimbabwe, com a Estrada Nacional Nº1 que ligava Moçambique de Norte a Sul do país.

Logo após a entrada na N1, algo me recordou o quão perto eu me encontrava de Maputo. Teria obrigatoriamente que me debruçar sobre o planeamento da fase final da minha viagem, de maneira a poder aproveitar ao máximo os últimos 1062Kms e 30 dias de visto.

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Procurei por um sítio para passar a noite, num local tão inóspito como um cruzamento repleto de camionista de longo curso e de todos os espécimes que normalmente tiram partido deste tipo de lugares. Aconselharam-me uma pensão que abrira recentemente umas centenas de metros para Sul, seguindo a N1.

DSCF8040Dirigi-me para a dita pensão (que apesar de nova era de qualidade duvidosa), onde negociei um modesto quarto.

Faltavam 10 minutos para as 16h, pelo qual preferi aconchegar o estômago com mais umas bananas com Coca-Cola, para de seguida dedicar-me à reparação da bicicleta.

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Cerca de 1 hora depois, e quando eu pensava que iria descansar, apareceu a gerente do estabelecimento portadora de uma antipatia que contrariava completamente com a do resto dos funcionários.

Não seria necessário perder mais que 2 minutos para eu decidir em mudar de estabelecimento. Paguei o que havia consumido e mudei-me de bicicleta e bagagens para a pensão do outro lado da rua. Uma pensão ligeiramente abaixo dos standards da anterior (aos quais eu estava bem habituado) mas carregada de simpatia emanada por todos os funcionários.

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Pouco depois de eu estar instalado nos meus novos aposentos, dá-se o inicio de uma enorme tromba de água, levando-me a crer que apesar do azar com o alojamento, eu não podia deixar de considerar a etapa do dia, como uma etapa afortunada.

Em primeiro lugar porque a bicicleta aguentara-se bastante bem até ao destino (apesar dos 2 raios partidos). Em segundo lugar, pela excelente velocidade média de 22,6Kms/h, e por último por não ter levado com a tromba de água em cima da cabeça.

A única coisa da qual eu não gabava o destino, era o facto de ter arrancado as crostas todas dos meus dedos, enquanto tentava substituir os raios da bicicleta.

Da cidade da Beira até ao Inchope foram 137Kms, percorridos em 6h33m onde se incluí 30 minutos de paragens.

A próxima etapa seria até ao Muxungue, uma povoação a 151Kms do local onde me encontrava.

Mais uma vez, teria pela frente uma etapa arriscada, não pela dificuldade do percurso, mas sim pela longa distância da mesma, aliado ao estado (quase) precário da minha bicicleta.

4 comentários:

  1. Ai que bom que voltaste!!!!!!!!!!!!! :)
    Bjs, maribel

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  2. Grande aventura! Ao ler, senti-me parte da experiência... Continuação de boas aventuras.

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  3. estou há 3 dias a ler sem parar

    espectacular!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  4. o ritmo de entrada dos posts é que devia ser igual ao que fizeste na viagem! 2 posts por mês é poucachinho!!!!

    Parabéns pela viagem

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