Moçambique Fase III (Chidenguele – Xai Xai)

 

Tomei o meu pequeno-almoço tranquilamente no restaurante da pensão. Não havia pressa para iniciar a etapa pois a distância até Xai-Xai era relativamente curta. Pouco mais de 65Kms, separavam Chidenguele de Xai-Xai. Contudo a distância a pedalar poderia ser alterada com a visita à praia com o mesmo nome.

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Iniciei a etapa às 9h05, pedalando na estrada de areia rumo a Estrada Nacional 1.

15 Minutos mais tarde, encontrava-me em cima do alcatrão.

As nuvens do dia anterior ainda permaneciam nos céus, dotando de um ar cinzento todo o cenário em meu redor.

Por seu lado, a estrada encontrava-se em óptimo estado e convidava a andar. Quanto ao relevo do traçado, passavam a surgir com frequência longas subidas de baixo ou médio gradiente, que exigiam demasiado da corrente e dos carretos da minha bicicleta.

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Constantemente, a cremalheira tripla e a corrente, cortavam relações entre ambos, fazendo com que a minha pedalada fosse completamente em vão e que os meus joelhos acabassem por se estatelar nos cantos do guiador.

O baixíssimo perfil que os dentes da tripla apresentavam, já não conseguia segurar a corrente desgastada, obrigando-me a limitar a aplicação de binário… se é que eu queria que a minha “transmissão” aguentasse os quilómetros restantes até a Maputo.

Mas apesar do elevado desgaste verificado em toda a minha bicicleta, eu acreditava que esta chegaria a Maputo… nem que fosse a pedalar em 1ª velocidade… ou a pé… mas havia de chegar.

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Um pouco por toda a parte (e cada vez com mais frequência) avistava árvores, troncos ou paus com sacos brancos pendurados. De início não dei grande importância ao facto. Mais tarde (com o objectivo de não ficar ignorante e não com o objectivo de saciar a minha curiosidade) resolvi perguntar o que havia dentro dos sacos brancos.

- Castanha – Respondeu – Castanha de caju… Vai levar?

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Pedalava a bom ritm, estrada fora mas sem pressas de chegar. Apreciava cada pedalada que os últimos quilómetros até Maputo me proporcionavam, tal como se fossem a primeira das pedaladas ainda em Angola.

Não sentia ponta de vento nem subidas apesar de ambos estarem presentes. Encontrava-me em piloto automático, tentando magicar mais alguns planos para os 10 dias que restavam no meu passaporte, antes do meu visto caducar de vez…

No meu horizonte imaginário, estava apenas a praia de Xai-Xai, a cidade de Xai-Xai e a praia do Bilene como destinos a visitar. Depois disso, seria a recta final de 2 dias a pedalar até Maputo.

Inesperadamente a estrada coberta de bom tapete de asfalto acabou, dando lugar a uma via de terra batida Na minha faixa, um conjunto de montinhos de terra espalhados uniformemente, estendiam-se até perder de vista. Na faixa contrária, um misto de terra batida e areia criavam as condições mínimas para o trânsito passar nos dois sentidos.

Optei por seguir por entre os montinhos, o que me deu um certo gozo de voltar a pedalar aos saltinhos e sem me preocupar com o estado da roda traseira.

Segui por uns 500 metros ao longo do “fora-de-estrada” artificial até que cheguei à cortada para a praia de Xai-Xai. Estava a 4Kms da cidade, todavia optei por rumar em direcção às praias e percorrer os 10Kms que me separavam da orla costeira.

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Cheguei à praia, eram as 13h15. Automaticamente a fome começou a dar sinais de maneira acentuada. Na realidade a última vez que havia ingerido algo, tinha sido há 5 horas atrás e encontrava-me em cima da bicicleta a pedalar há pouco mais de 4 horas.

Procurei por um restaurante típico ao longo da costa, mas o único que encontrei foi o restaurante do Hotel “Complexo Turístico Haley”, onde almocei maravilhosamente bem sentado numa esplanada à beira-mar.

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A praia de Xai-Xai parecia-me bonita e limpa, no entanto não cativou o meu interesse afim de querer pernoitar numa das pensões existentes. Não só porque parecia-me demasiado turístico como também porque preferia despender alguns dos dias restantes em algo mais atractivo… Fosse lá o que isso fosse…

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Pouco passava da 15h00 quando decidi seguir viagem até à cidade de Xai-Xai. Os poucos quilómetros que ainda teria que pedalar, permitiam-me chegar a tempo e aproveitar a luz do dia para uma curta visita à cidade.

Seguia entretido com as minhas utopias mentais através de uma estrada estreita e sossegada, quando algo de surpreendente algo chamou a minha atenção para coisas mais terrenas…

…estava a ser ultrapassado por um mini-ciclista!

Eu estava habituado, que todos aqueles que tinham bicicleta, faziam de tudo para me ultrapassar. Uns com a intenção de demonstrar a sua capacidade física, outros por orgulho próprio, outros para me pedir dinheiro e outros até para pedir emprego. A maioria era jovem, outros eram velhos, alguns eram crianças e poucos eram mulheres.

No entanto, este caso era diferente de todos os outros alguma vez vistos.

Na frente e a segurar o volante da bicicleta, seguia o ciclista que não fazia outra função senão a de conduzir o velocípede… ou seja, era o condutor.

Pedais… não existiam… pelo que o audaz condutor seguia de pernas penduradas no selim. Os pneus de ambas as rodas, já não habitavam nos respectivos aros originando um certo chinfrim metálico a cada centímetro de alcatrão percorrido. A corrente que (eventualmente) faria a transmissão entre a roda pedaleira e a roda de trás… também não pertencia aquele conjunto mecânico.

Antes de me interrogar como é que a bicicleta do meu oponente se deslocava, eis que aparece a explicação para a minha dúvida…

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Um segundo elemento estava encarregue de fazer todo o trabalho de propulsão do velocípede, de modo a que este conseguisse efectuar e concluir a ultrapassagem.

Assim que houve a confirmação que os seus objectivos haviam sido alcançados, dá-se a saída de pista e consequente tentativa de trazer a bicicleta novamente para a faixa de rodagem… já com o travão de emergência preparado, caso algo corresse mal…

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2 Segundos depois, dá-se o colapso do elemento propulsor que pelas devidas razões achou que estaria na altura do merecido descanso.

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Sem dar por ela, percorri os 14Kms até à cidade de Xai-Xai… talvez em menos tempo do que pretendia. Se calhar devido ao peixe grelhado do almoço (xaréu), que havia fornecido energia a mais ao meu organismo, ou se talvez por vir entretido praticamente o tempo todo, mas o facto era que encontrava-me no centro de Xai-Xai.

Ainda tinha pouco mais de 1 hora de luz solar, o que me permitiu dar uma volta pela cidade antes de procurar alojamento.

Xai-Xai revelava-se uma cidade mais pequena do que eu imaginava. Não era que fosse uma cidade pequena, era simplesmente mais uma ratoeira da minha mente que criava expectativas das coisas e dos lugares, completamente diferentes do que elas eram na realidade.

Possivelmente influenciada pela imponência da cidade da Beira, pela proximidade a Maputo e pelo facto de Xai-Xai ser a capital da Província com o mesmo nome, o meu subconsciente iniciou um processo de criação de cenários possíveis para a cidade de Xai-Xai.

Acabara por sair tudo ao contrário.

Xai-Xai era uma cidade que (á parte da avenida principal, por onde passava todo o trânsito da EN1) era bonita, com várias casinhas bem arranjadas e cuidadas. As construções em altura eram poucas e a maior parte dos edifícios governamentais, incluindo o dos Caminhos-de-Ferro, encontravam-se bem conservados e com boa apresentação.

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Após a volta de reconhecimento à cidade, decidi procurar um lugar onde pernoitar.

Acabaria alojado no Hotel “Ponto de Encontro”, um edifício dos anos 60-70 situado mesmo no centro de Xai-Xai, onde ao sabor de um galão e de umas torradinhas planeava cuidadosamente os restantes dia até chegar a Maputo.

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Inicialmente havia colocado a hipótese de perder um dia completo ou em Xai-Xai, ou na praia com o mesmo nome. Acabaria por optar em poupar esse dia de descanso em Xai-Xai e seguir directo para o Bilene já na manhã seguinte.

Até à praia do Bilene seriam 60Kms ao longo da Estrada Nacional 1, para no final destes efectuar um desvio de 33Kms para as praias…

Ansiosamente, esperava pelo dia seguinte… mas em simultâneo, tentava evitar que a minha consciência se direccionasse para a Praia do Bilene, com o objectivo de evitar que esta criasse, mais uma vez… as ditas falsas expectativas…

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