Moçambique Fase III (Estadia no Bilene)

 

Encontrava-me no Bilene, disposto a dispensar uns dias do meu calendário para passa-los nestas paragens.

Encontrava-me alojado mesmo em frente à lagoa, onde a água salgada do mar se misturava com a água doce proveniente de rios e riacho que ali desaguavam.

Ao longe era possível avistar a barra natural composta por dunas de areia e por onde a lagoa fazia a sua ligação ao mar.

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A areia branca da praia, convidava para umas passeatas em torno da lagoa, no entanto não encontrava grande disponibilidade dentro de mim para passar umas horas a caminhar pela areia.

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Limitei-me a percorrer uma centena de metros para cada lado, com os pés mergulhados nas águas cálidas da lagoa e a ver os barquinhos que esperavam a sua hora de ir para a faina.

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Depois do reconhecimento das areias da lagoa, aventurei-me para dentro da vila.

Uma nova acção de reconhecimento aos recantos do Bilene, faziam-me ver com maior atenção, o contraste entre as velhas e as novas construções.

Muitas casas de baixa estatura com arquitectura “cinquentas” a “setentas”, rodeadas de amplos jardins, faziam-me suspeitar que o Bilene teria sido uma colónia de férias de outros tempos.

De facto, isso ainda verificava-se nos dias de hoje pois a maior parte das habitações e complexos hoteleiros encontravam-se fechados (por ser época baixa), e a densidade populacional da vila estava muito aquém do esperado, quando comparado com o número de habitações existentes.

Dirigi-me ao mercado local. Percorri algumas das suas ruelas registando as diferenças e semelhanças, com os outros mercados locais por onde passara anteriormente.

Vendia-se um pouco de tudo, tal como em qualquer mercado. Mas o que verdadeiramente mais me chamou a atenção e cativou, foi a existências de pequenos “tascos”, restaurantes e petisqueiras onde se podia sentar e apreciar boa comida.

Decide sentar-me num dos restaurantes típicos para almoçar. Depois de escolher o prato que pretendia para menu, trouxeram-me um punhado de peixes pendurados nos braços existentes no restaurante, para que eu escolhesse qual deles queria que passasse para a grelha.

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Fiz-me de entendido no assunto e escolhi o meu peixe…

Esperei e voltei a esperar. No meu relógio, vi os dígitos dos minutos a repetirem-se e o dígito das horas a mudar por duas vezes.

Finalmente o prato veio a seu dono.

Só de olhar, os olhos escorriam baba.

O cheirinho de alho e cebola picada em molho de manteiga com umas verduras raladas, faziam-me salivar pelas narinas.

Ataquei o peixe quase de olhos fechados à espera de sentir na minha boca, os primeiros impulsos gustativos…

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Abri os olhos… olhei para o peixe…

… Estava cru!

Lá dentro anda conseguia ver filamentos vermelhos de sangue, enquanto outras partes do peixe, apresentavam tons acinzentados que se podiam ver quase à transparência…

Mandei o peixe para trás… dediquei-me ao arroz…

Quis o destino que o mau tempo se instalasse no Bilene, obrigando-me a estar confinado ao meu quarto, de onde podia observar a chuva a bater na janela, a lagoa e mais ao longe a barra.

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Sentia-me numa câmara de descompressão, na qual aos poucos e poucos ia mentalizando-me que estava a 2 dias de Maputo e consequentemente no final da minha viagem de bicicleta.

Já não havia muito a fazer e as alternativas eram escassas, não só pela grande proximidade ao destino final, como também porque já não me restavam muitos dias de permanência legal dentro do país.

Olhava para trás com nostalgia. Estava na estrada há mais de 5 meses e com a barreira dos 8.000Kms ultrapassada, todavia sentia-me “fresco” tal como se tivesse iniciado a viagem na semana anterior.

Fisicamente estava bem… e mentalmente estava melhor. Sentia-me capaz de chegar a Maputo e percorrer de volta todo o percurso até Luanda. Habituara-me ao modo de vida “nómada”, solitário e ao prazer de fazer dos meus dias aquilo que eu bem entendia.

Cada dia passado em viagem, surgia na minha mente como por geração espontânea. O prazer de descobrir estava patente em cada minuto e em cada pedalada já passada.

Tentava descobrir dentro de mim o que eu ganhara com a minha viagem e qual a influência que esta havia tido em mim… mas conclusões eram poucas. No estado de hipnose em que me encontrava, não conseguia tirar nenhuma conclusão.

Procurava saber o que poderia ter vivido ou aproveitado e que na realidade não o tivesse feito… e neste caso chegava a uma conclusão…

Concluía que percorrera toda a distância de Luanda até ao Bilene demasiado rápido. Sempre com a preocupação de ir do Ponto A para o Ponto B, como se de uma corrida se tratasse.

Mapa Geral-Bilene

Ainda mais quando a distância entre pontos era, na sua grande maioria, acima dos 100Kms. Eventualmente poderia ter escolhido etapas mais pequenas e assim aproveitar outros momentos… ou talvez não…

As tormentas da minha roda traseira, haviam condicionado indubitavelmente o prazer de cada etapa, obrigando-me a manter a rota por estradas de alcatrão enquanto o verdadeiro deleite vinhas das etapas em que me encontrara “perdido” no mato e entre populações remotas.

Olhava para o meu mapa de Moçambique.

Com os olhos seguia todo o trajecto desde a minha entrada no País, em Metangula na Província do Niassa, até ao ponto onde me encontrava – o Bilene.

Moz

Neste momento e para saber a distância remanescente até Maputo, já não era necessário desdobrar o mapa mais que uma vez. Um nicho de papel era suficiente para “localizar” os poucos quilómetros que ainda teria de percorrer.

A fim de evitar que entrasse em algum tipo de demência mental, resolvi formatar a minha visão. Em vez de olhar para o passado com melancolia, eu era obrigado a mirar para o futuro como sendo o meu novo objectivo.

A viagem de bicicleta estava no final, e num futuro muito próximo eu estaria de regresso à vida do quotidiano. Era esta a realidade que eu teria que injectar na minha cabeça dura… custasse o que custasse.

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Depois de um par de dias de tempestade, eis que veio a bonança.

O Sol voltou a encher o dia de luz e de brilho.

As águas da lagoa regressaram ao sem tom transparente e límpido convidando-me para um passeio de barco até à barra de areia que se situava do outro lado.

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Á chegada á barra. Era possível ver o contraste entre as águas calmas e transparentes da lagoa, com as águas turvas e agitadas do Oceano Índico.

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O contacto entre ambas as águas era só possível ou com a maré alta, ou em dias de excesso de água na lagoa, ou em dias de elevada agitação marítima. Nos restantes dias, o cordão de areia mantinha uma distância de segurança entre as duas forças da natureza.

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A pequena praia que dava origem à barra, era rodeava de falésias virgens.

Do cume de uma delas, pude observar à distância uma baleia que de tempos em tempos vinha à superfície para respirar.

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Por seu lado, próximo dos rochedos da falésia, conseguia ver ocasionalmente uma ou outra tartaruga a nadar ao sabor da corrente.

Do ponto mais alto da falésia, olhei para Sul… Maputo era algures lá no fundo, onde a vista ainda não alcançava…

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A beleza natural do Bilene cativava-me, mas estava na altura de regressar a “terra” e iniciar os preparativos para mais uma etapa.

Na minha bicicleta residia um pneu vazio. Após batalhar longos minutos para a reparação do pneu, acabei por concluir que o problema não era 1 simples furo, mas sim 5 simples furos.

A falta de paciência para ligar com cada um dos furos, levou-me a usar o spray tapa-furos apesar de saber que não seria a solução ideal.

No final, e após algumas verificações, o spray tapa-furos acabara por revelar-se uma boa solução, fazendo com que o ar permanecesse dentro do pneu, evitando que este perdesse a pressão.

 

Estava agora preparado e mentalizado para reiniciar as pedaladas e percorrer as duas últimas etapas até Maputo.

Aguardava, talvez com excesso de ansiedade, o que as 2 últimas etapas haviam reservado para mim…

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4 comentários:

  1. Que pena que esteja tão perto do final

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  2. Pois é ... Tenho acompanhado a sua viagem desde a sua primeira publicação, e vou sentir falta dela.

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  3. Pedro essa viagem através do mapa cor de rosa vai constituir um marco histórico na sua vida, mais a mais de Luanda a Maputo em cima da kinga mato fora, como os nossos antepassados e exploradores na obra (De Angola à Contracosta, livro sobre a aventura do Hermenegildo Capelo e do Roberto Ivens, que fizeram a mesma travessia em cima da mula, há mais de um século) estou a ver o filme, daqui a uns anos com o "Pedro a narrar a sua aventura, com muitos desencontros com leões, elefantes e outras feras" a alguns recém conhecidos, que de boca aberta ficarão a desdenhar a veracidade de tal epopeia..!!

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