Moçambique Fase III (Tofo – Inhambane)

 

Havia concedido um par de dias do meu calendário para conhecer o Tofo e para poder desfrutar de alguns momentos de descontracção em frente ao Oceano Índico.

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Da janela do pequeno quarto onde dormira, podia observar que o Sol já estava a meia-altura. Decidi saltar da cama e apressar-me para ir passear os meus pés na areia da praia.

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Na pequena passeata pela praia pude observar os homens da pesca a regressarem nas suas pequenas e coloridas embarcações, com o pescado do dia. Numa curta conversa com um deles pude constatar que a maioria dos seus produtos era destinada a estrangeiros que passavam as suas férias no Tofo, ou então aos estabelecimentos de restauração existentes um pouco por toda a parte. Pouco seria o pescado com destino a populações do interior ou mesmo para a população local em geral.

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De seguida atrevi-me a subir a pequena falésia do lado Sul, onde algures estariam 2 marcos da história de Moçambique.

Após alguns minutos a caminhar na areia escaldante do topo da falésia, eis que avisto o primeiro marco.

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Um monumento alusivo à libertação dos escravos, onde no cimo de um grande pedestal havia em braço com uma corrente partida, símbolo dessa mesma libertação.

Alguns metros mais à frente encontrei o sinal alusivo ao segundo marco que procurava, o chamado “Buraco dos Assassinatos”.

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Por um estreito trilho entre pequenos arbustos cheguei ao dito “buraco”.

DSC01802Uma fenda natural na rocha da falésia onde, segundo diziam os locais, eram realizados os fuzilamentos durante a Guerra Civil.

 

Cheguei bem perto do buraco, com o intuito de aperceber-me da sua profundidade e talvez conseguir ver o seu fundo. No entanto a alguns metros abaixo do nível do solo, a luz solar já não iluminava as paredes da fenda e a escuridão tomava conta do lugar. A única coisa perceptível era o barulho das ondas, que ecoava pela fenda acima fazendo parecer que o mar estava já ali à distância de um braço.

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Deixei-me estar por alguns minutos a contemplar o mar, a paisagem envolvente e o sossego que esta conjuntura me proporcionava.

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Pouco depois regressei à povoação e ao “agitado” mercado local que se situava à entrada da praia.

Proliferavam as bancas de venda de artesanato local. Exércitos de estátuas e estatuetas de todos os feitios possíveis e imaginários, povoavam o chão e as bancadas de cada barraca.

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Ao fundo de um dos corredores, as barracas de venda de telas pintadas à mão surtiam um simpático colorido, às escuras galerias do mercado.

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Apreciar calmamente qualquer peça de arte era tarefa impossível. De todos os lados surgiam vendedores de tudo e mais alguma coisa com os seus “Good morning…”, “Buongiorno amico…”, “You buy… good material…”, “Hey… amico… amico…”.

Era rara a palavra que saia das suas bocas em Língua Portuguesa.

Eu era um estrangeiro em Moçambique (apesar de me sentir em casa), no entanto nunca me sentira tão “estrangeiro” como no Tofo, onde parecia ser eu o único a falar português.

Fazer ver os vários vendedores que me cercavam, de que eu não iria comprar nada de nada, era uma tarefa complicada. Parecia que lhes custava crer que um estrangeiro no meio do mercado, iria sair dali de mãos a abanar, sem gastar um único Dólar ou Metical.

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Mais difícil ainda, era falarem comigo em Português, algo que me causava uma ligeira azia. Acabei por concluir (nem que fosse para satisfação própria) que ou os vendedores não eram Moçambicanos ou então queriam demonstrar que falavam outras línguas além do Português.

Estas pequenas surpresas apenas vinham confirmar as suspeitas que a minha mente criara no dia anterior.

O Tofo, apesar de tudo de bom e de bonito que tinha, não era nada daquilo que eu estava à espera. Assim, o Tofo, acabava por revelar-se em certa parte, como uma desilusão floreada onde abundava o Turismo propriamente dito.

A vila era principalmente ocupada por jovens Sul-Africanos que vinham à procura de ondas para a prática de desportos náuticos, ou para simplesmente passarem uns bons momentos entre amigos.

Os jovens locais viviam atrelados aos turistas, carregando nos seus braços todo o tipo de peças artesanais na expectativa que estas pudessem ter algum interesse para aquele que simplesmente veio ao Tofo para descansar.

Facilmente cansei-me desta realidade, pois não era a que procurava quando decidi parar no Tofo. Talvez efeitos do sindroma de encontrar-me nas últimas etapas da minha viagem, ou talvez não, decidi recolher ao meu pequeno palheiro para planeamento das próximas etapas e rapidamente zarpar do Tofo.

Do meu roteiro para a região de Inhambane, estava previsto a visita a várias praias ditas famosas. Contudo receava que fosse encontrar a mesma realidade do Tofo, ou seja povoações completamente orientadas para o turismo de estrangeiros de situação económico-financeira saudável. Eu procurava um Moçambique mais “puro”. Além que me arriscaria a apanhar muitas estradas destinadas a veículos 4x4, obrigando-me a subir e descer dunas arrastando a bicicleta pela areia solta.

Após uns largos minutos a olhar para o mapa de Moçambique e a calcular quilómetros e datas, acabaria por optar em regressar a Inhambane para depois seguir para Sul em direcção a Xai-Xai.

A partida do Tofo, dar-se-ia na manhã seguinte pelas 10h00.

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Voltei a percorrer a estreita estrada que me levaria de regresso à Capital da Província, a pouco mais de 25Kms do Tofo. O muito vento que soprava em todas as direcções voltava a não me afectar. Nem física nem psicologicamente. Afinal de contas tinha o dia todo para chegar a Inhambene e certamente que a curta distância a percorrer não iria ocupar-me por mais de 2 horas do meu dia.

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Entrei em Inhambane às 11h15m. A cidade estava calma. Ainda mais calma que há uns dias atrás aquando da minha primeira estadia em Inhambane.

Antes de me dirigir para a pensão do Mário (a Residêncial Olinda) aproveitei para percorrer novamente as ruas da cidade. Haviam-me informado que algures num terreno semi-abandonado, estavam dois “vestígios” do passado da região, entregues ao Deus Dará.

Com algumas perguntas às gentes locais, consegui descortinar esse tal terreno situado bem no centro de Inhambane e bem perto de outros edifícios governamentais.

Assim que cheguei às traseiras do terreno encontrei a estátua do Vasco da Gama. Aquele que pela primeira vez chamou de “Terra de Boa Gente” a Inhambane.

Nunca consegui perceber bem qual o verdadeiro valor patrimonial e a idade da estátua.DSCF8555 Uns diziam que o monumento tinha séculos e datava do tempo dos “Descobrimentos”. Outros diziam que a estátua era “relativamente” recente e que “alguém a tinha colocado ali até terem um lugar melhor para a colocar”. Fosse como fosse, toda a gente conhecia a estátua do descobridor Português, pelo qual eu deduzi que apesar de estar em regime de semi-abandono, esta deveria ter algum valor e significado tanto para a cidade como para a região.

Um pouco mais à frente encontrava-se o segundo caso que eu procurava.

Este, ligeiramente em piores condições que a estátua do “Vasco da Gama”.

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Tratava-se dos restos do primeiro carro da cidade de Inhambane. Pouco mais consegui apurar sobre a pobre viatura a não ser que estaria ali “…à espera de melhores dias”.

De volta à Residencial Olinda tive a oportunidade de, uma vez mais, conversar com o Mário que me deu algumas dicas sobre onde ficar ao longo das próximas etapas até Xai-Xai. Ficava assim estabelecido que a distância até Xai-Xai seria repartida em 3 etapas. A primeira seria de uns 90Kms até Inharrime, seguidos de mais 130Kms até Chideguele e por último outros 95Kms até Xai-Xai.

Uma vez em Xai-Xai voltaria a planear a minha rota com destino final em Maputo.

A proximidade ao final da minha viagem era notório em cada segundo que dedicava a olhar para o mapa de Moçambique.

Com os olhos percorria o traçado do meu mapa mas em sentido inverso, enquanto a minha mente vivia cada momento já vivido tal como se tivesse ocorrido há 5 minutos atrás.

Com um abanar de cabeça, acordava para a realidade e voltava a concentrar-me nas etapas futuras e na manutenção da bicicleta que continuava com sérios sintomas de cansaço.

Apesar de poucos, os 570Kms até Maputo ainda poderiam proporcionar-me muitos momentos de aventura, satisfação, prazer e realização. Aguardava ansioso pelo que as últimas etapas tinham reservado para mim… esperando assim pelo amanhã, com a certeza de mais prazeres a cada pedalada realizada.

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